" O objetivo deste ensaio é
analisar
o caráter
e a história
da mais notável
moda intelectual da Europa pós-renascentista.
Deixo claro aqui que o racionalismo com o qual me preocupo é
o
racionalismo moderno. Não
há dúvida
de que sua superfície
reflete as luzes dos racionalismos de passados mais distantes,
contudo, no fundo possui uma qualidade própria,
e é
essa
qualidade que proponho levar em conta, tendo em vista seu impacto na
política
europeia. O que chamo de racionalismo na política
não
é,
logicamente, a única
(e não
é,
com certeza, a mais prolífica)
moda no pensamento político
europeu moderno. No entanto, é
uma
maneira vigorosa de pensar que, ao encontrar suporte nas filiações
com o que é
mais
pungente na composição intelectual da Europa contemporânea,
veio então a colorir as ideias, não apenas de uma, mas de todas as
persuasões
políticas,
deixando suas marcas nas linhas de todos os partidos. De um jeito ou
de outro, seja por convicção, seja por sua suposta inevitabilidade,
seja por seus alegados sucessos, ou mesmo sem reflexão alguma, quase
toda política
atualmente se tornou racionalista ou algo muito próximo
disso.”
“ideia
de que tudo tem que recomeçar do zero) por causa da rapidez com que
ele reduz o emaranhado e a variedade de experiências
a um conjunto de princípios,
os quais eventualmente vai atacar ou defender mediante bases
racionais. Ele não leva em conta a acumulação da experiência,
somente da prontidão
da experiência
quando esta foi convertida em uma fórmula:
o passado é
para
ele somente um obstáculo.”
“o
racionalista sempre prefere a invenção de um novo aparato ao uso de
um expediente corrente e já
testado.
Não reconhece mudança,
a não
ser que ela tenha sido induzida de maneira autoconsciente, e por
conseguinte, ele cai facilmente no erro de identificar o costumeiro e
o tradicional como algo imóvel.
Isso é
claramente
ilustrado pela atitude racionalista no que diz respeito à
tradição
das ideias. Não concebe, logicamente, o mérito
de reter ou melhorar tal tradição, uma vez que ambas envolvem uma
postura de submissão. Ela deve ser destruída!
E, para preencher seu lugar, o racionalista coloca algo que ele mesmo
cria, a saber: uma ideologia, uma condensação do suposto substrato
da verdade racional contida na tradição apresentada em termos
formais.”
“O
fato de algo se colocar entre a sociedade e a satisfação de suas
‘necessidades
percebidas’
em
cada momento na história
deve soar para o racionalista como um canto místico
e absurdo. E sua política
é,
na verdade, a solução racional de cada um desses enigmas ao longo
do tempo, os quais o reconhecimento da soberania de tais ‘necessidade
percebidas’
cria
de forma perpetua na vida de uma sociedade. Dessa maneira, a vida
política
é
dissolvida
em um composto de sucessivas crises, cada qual a ser superada pela
aplicação
da razão.
De fato, cada geração, cada administração, deveria ver diante de
seus olhos o desvelamento de uma página
em branco de infinitas possibilidades. E se por algum acaso essa
tabula rasa houver sido deformada por alguns rabiscos de um ancestral
contaminado pela praga da tradição,
então
a primeira tarefa do racionalista deve ser passar a borracha em cima:
como destacou Voltaire, o único
jeito de termos boas leis é
queimando
todas as leis existentes e começar do zero.2”
“Duas
outras características
da política
racionalista devem ser observadas. Elas são
a política
da perfeição e a da uniformidade; qualquer uma delas sem a outra
denota outro estilo de política,
sendo a essência
mesma do racionalismo sua combinação. A erradicação da
imperfeição pode ser considerada o primeiro item do credo
racionalista.”
“Bem,
da forma como entendo, o racionalismo é
a
postura que defende que o que chamo de conhecimento prático
não
é
conhecimento
de maneira alguma, uma vez que postula que fora do conhecimento
técnico
não
há lugar
para nenhum outro conhecimento que se possa chamar de real. O
racionalista sustenta que o único
elemento envolvido em qualquer atividade humana é
o
de composição
técnica,
e que o que denomino conhecimento prático
é
somente
uma forma de esoterismo que poderia ser deixada de lado, salvo pelo
fato de seu alto potencial ludibriador. A soberania da razão, para o
racionalista, significa a soberania da técnica.”
“A
título
de exemplo, a superioridade de uma ideologia em detrimento da
tradição do pensamento reside em sua aparência
de que se autocontém.
Ela pode ser mais bem ensinada àqueles
que possuem a mente vazia; e, se ela for ensinada a alguém
que já
crê
em
alguma coisa, o primeiro passo do professor seria levar a cabo um
expurgo, garantindo que todos os preconceitos e pressuposições
sejam removidos, cimentando o caminho para a base indestrutível
da ignorância
absoluta. Concluindo, o conhecimento técnico
parece ser o único
tipo de conhecimento que satisfaz o padrão de certeza que o
racionalista escolheu.”
“O
fato de que a política
contemporânea
se encontra amplamente infectada pelo vírus
do racionalismo será
rejeitado
somente por aqueles que escolherem dar outro nome a essa infecção.
Não
somente nossos vícios
políticos
são de cunho racionalista, mas também
nossas virtudes. Nossos projetos são, em geral, racionalistas em
intenção
e caráter;
contudo, o mais importante é
que
toda nossa predisposição
mental também
é
determinada
nesses moldes”
“A
profundidade a que chegou a invasão do ímpeto
racionalista a nosso pensamento e prática
política
é
ilustrada
pela extensão com que o comportamento tradicional foi cedendo lugar
à
ideologia
e pela proporção com que a política
da destruição
e da criação substituiu a da reparação, sedimentando a ideia de
que tudo que fora planejado consciente e deliberadamente é
preferível
(justamente por isso) ao que foi sendo moldado de maneira
inconsciente com o passar dos anos”
“Contudo,
pelo menos no que diz respeito à
ideia
de autoridade, nada nesse campo de estudo se compara com o trabalho
de Marx e Engels. A política
europeia sem esses autores ainda assim teria se coberto toda pela
avalanche racionalista, mas sem dúvida
nenhuma que tais autores são os mais destacados artífices
da política
racionalista –
e não
é
para
menos, tendo em vista que suas obras atingiram uma classe que nunca
imaginaram, nem em seus sonhos mais delirantes, poder se debruçar
sobre o exercício
de poder de fato. E é
importante
salientar que nenhum defeito foi encontrado na fabricação desses
manuais para forjar farsas políticas
por seus ávidos
leitores,”
“Uma
civilização de pioneiros é,
quase inevitavelmente, uma civilização de convictos self made men.
Racionalistas por circunstância
e não fruto de um processo reflexivo, eles não sentiam necessidade
de ser persuadidos de que o conhecimento começa em uma tabula rasa.
E mais, a mente livre para eles não era um processo de faxina geral
como propunha Descartes, mas sim uma dádiva
de Deus todo-poderoso, como disse de certa feita Jefferson.”
“E
por um estranho autoengano, ele atribuiu à
tradição
(a qual, obviamente, é
eminentemente
fluida) a rigidez e a dureza de caráter
que pertencem na verdade à
ideologia
política.
Isso faz, consequentemente, do racionalista um personagem perigoso e
dispendioso quando no controle da coisa pública,
sendo ele inclusive mais devastador não quando perde o domínio
em dada situação (sua política,
claro, sempre é
orientada
para dominar uma situação e superar crises), mas sim quando ele
aparentemente obtém
sucesso, uma vez que o preço que pagamos por seus logros é
uma
tirania cada vez mais completa dessa moda intelectual racionalista
sobre o todo da vida em sociedade.”
“Primeiro,
como eu havia interpretado, o racionalismo na política
sofre de um erro claramente identificável,
qual seja, o entendimento incorreto em relação
à
natureza
do conhecimento humano, descambando para uma corrupção total da
mente. Dessa forma, ele se apresenta sem poder algum para corrigir
seus fracassos”
“Resumindo,
em essência
é
impossível
educar um racionalista, pois o único
instrumento que poderia em tese educá-lo
fora do racionalismo ele o desmerece como inimigo da humanidade. Tudo
que um racionalista consegue fazer quando abandonado com si mesmo é
substituir
um projeto racionalista fracassado por um que ele espera poder
concluir. A bem da verdade, é
nisso
em que a política
atual está
se
degenerando: o hábito
político
e a tradição, os quais há
pouco
tempo eram de posse comum entre até
os
mais ferozes oponentes dentro da política
inglesa, foram suplantados por uma mera predisposição
mental racionalista.”
“Desde
os primeiros dias de sua emergência,
o racionalista se interessou, um tanto macabramente, pela educação.
Ele tem um respeito por ‘cérebros’,
uma crença inabalável
em treiná-los,
a determinação em encorajar a inteligência
e de que no fim ela será
compensada
com o poder. Mas qual seria essa educação em que o racionalista
acredita? Certamente não seria uma iniciação em hábitos
morais e intelectuais, nem muito menos nos êxitos
de sua sociedade, ou um mergulho na parceria entre presente e
passado, um compartilhamento de conhecimento concreto; para o
racionalista tudo isso não passa de esoterismo, portanto sem valor e
ainda por cima, potencialmente danoso”
“O
que acontece hoje é
que
os racionalista vêm
trabalhando tão arduamente em seu projeto de drenar o líquido
no qual nossos ideias morais estavam suspensos (e o derramando como
se fosse inútil)
que fomos deixados somente com os resíduos
e os restos que nos sufocam quando tentamos mergulhar. Primeiro
fazemos de tudo para solapar a autoridade dos pais (por causa de seu
suposto abuso), depois vituperamos contra a escassez de ‘boas
moradias’,
no fim criamos substitutos que completem o trabalho de aniquilamento.
É por essa razão que, dentre outras coisas que também
sofrem de corrupção
pela insanidade, deparamos com um espetáculo
de um bando de hipócritas,
no caso racionalista políticos,
que pregam uma ideologia de altruísmo
e serviço
social a uma população da qual eles e seus antecessores fizeram de
tudo para privar da única
raiz viva de comportamento moral; sua oposição consiste (pasmem!)
de outro grupo que quebra a cabeça com o projeto de nos livrar do
racionalismo sob a inspiração de começar do zero com uma nova e
fresca racionalização de nossa tradição
política.”
“As
massas em uma democracia representativa”
“O
decorrer da história
moderna da Europeu revelou um personagem que nos acostumamos a chamar
de ‘homem
massa’.
Seu surgimento é
muitas
vezes tido como o mais significativo e abrangente dentre as
revoluções da era moderna. Ele é
famoso
por ter transformado a maneira como vivemos, nossos padrões de
conduta e a forma como fazemos política.
Também é
reconhecido,
lamentavelmente, por ter se tornado o árbitro
do gosto, o ditador da política,
o rei não coroado da modernidade. Desperta medo em alguns, admiração
em outros, fascinação em todos. Seus números
o fizeram um gigante; prolifera-se por toda parte; é
tido
tanto como um gafanhoto que está
transformando
um jardim fértil
em deserto quanto o agente que carrega a esperança de uma nova e
mais gloriosa civilização.”
“Essa
experiência
de individualidade provocou uma predisposição a explorar seus
próprios
limites, atribuindo-lhes os mais altos valores, e à
procura
de segurança em seu regozijo. Gozá-la
acabou vindo a ser considerado o mais importante ingrediente para a
‘felicidade’.
A experiência
fora magnificada em uma teoria ética;
fora refletida em formas de governar e ser governado, em novos
direitos adquiridos e em deveres e um padrão todo novo de vida. A
emergência
dessa predisposição em ser um indivíduo
é
o
evento mais destacável
da história
da Europa moderna.”
“Em
poucas palavras, a condição da Europa moderna, mesmo antes no
século
xvi, dera origem não somente a um personagem, mas a duas figuras
antagônicas:
além
do indivíduo,
agora temos também
o ‘indivíduo
manqué’.
E esse ‘indivíduo
manqué’
não
era uma relíquia
das eras antigas, e sim um produto da modernidade, o resíduo
da mesma dissolução dos laços comunais que haviam dado à
luz
o indivíduo
europeu moderno.
Não
se faz necessário
especular acerca da combinação de debilidade, ignorância,
timidez, pobreza ou azar que operaram para fabricar esse personagem;
basta observar sua aparição e seus esforços para se acomodar
naquele ambiente tão hostil. Ele procurava um protetor que
entendesse sua situação, e ele encontrara, por assim dizer, no
Estado. Já
a
partir do século
xvi, os governos da Europa estavam sofrendo alterações,
não
somente em resposta às
demandas da individualidade, mas também
reagindo às
necessidades do ‘indivíduo
manqué’.
O ‘rei
todo-poderoso’
da
Reforma e seu descendente direto, o despota esclarecido do século
xviii, foram invenções que estavam a serviço de fazer escolhas por
aqueles que não as queriam fazer por conta própria;”
“...que
não
passava de uma dúvida
sobre suas habilidades de aguentar a pressão na luta pela
sobrevivência
se descambara em uma radical falta de confiança em si mesmo: o que
não passava de mero prospecto ruim, se apresentara enfim como
abismo; o que era o desconforto de um fracasso se transformara na
miséria
da culpa.
Em
alguns, sem dúvida,
essa situação
levou à
resignação;
mas em outros geraram-se inveja e ressentimento. E com essas emoções
uma nova predisposição surgiu: o impulso de fugir à
situação
impondo-a ao resto da humanidade. Do frustrado ‘indivíduo
manqué’
saiu
o militante ‘anti-indivíduo’,
disposto a assimilar tal palavra a seu próprio
caráter
destronando o indivíduo
e eliminando seu prestígio
moral. Nenhuma promessa, ou mesmo qualquer oferta, de melhoramento
pessoal poderia frear esse ‘anti-indivíduo’;
ele sabia que sua individualidade era tão
pobre que nada seria o bastante para salvá-la.
O que o movia era unicamente a oportunidade de escapar completamente
da ansiedade de ter que ser um indivíduo,
além
da chance de extirpar do mundo tudo o que lhe convencia de sua falta
de aptidão para tal”
“não
pelos números
em si, sua conduta é
chancelada
pelo suporte do resto de sua espécie.
Ele não
pode ter amigos (porque amizade consiste na relação entre dois
indivíduos),
só
camaradas.
As ‘massas’
tal
como surgem na história
da Europa moderna não
é
composta
de indivíduos;
são
feitas de ‘anti-indivíduos’
reunidos
em uma repulsa à
individualidade.
Consequentemente, mesmo que um notável
crescimento da população da Europa ocidental durante os últimos
quatro séculos
tenha sido uma condição para o sucesso com que esse personagem se
impôs,
ela ainda assim não era uma condição para a existência
do personagem em si.
Entretanto,
o ‘anti-indivíduo’
possuía
sentimentos ao invés
de pensamentos, impulsos no lugar de opiniões, incapacidades no
lugar de paixões; estando levemente ciente de seu poder. Sendo
assim, ele necessitava de líderes;
a bem da verdade, o conceito moderno de líder
está
intimamente
ligado ao ‘anti-indivíduo’,
e sem ele nem caberia o uso do termo. Uma associação
de indivíduos
exige um governante, não havendo lugar para um líder.
O ‘anti-indivíduo’ precisava
de alguém
para lhe dizer o que pensar; seus impulsos tinham que ser
transformados em desejos, e estes em projetos; ele tinha que se fazer
convencido[…]”
“A
submissão
natural do ‘homem
massa’
era
para ser por si só capaz
de promover a manifestação dos líderes
em questão. Ele era inquestionavelmente um instrumento para ser
manuseado, e não
há dúvida
de que o instrumento gerou o ‘virtuoso’.
Mas havia, em verdade, um personagem pronto para ocupar essa posição.
Era preciso um homem que pudesse aparecer tanto como a imagem quanto
como o mestre de seus seguidores; um homem que pudesse fazer escolhas
mais facilmente para os outros do que para ele mesmo; um homem
disposto a se importar com a vida dos outros porque lhe faltava a
habilidade de conseguir cuidar de sua própria.”
“Ao
redor desse núcleo
girava uma constelação
de crenças
deveras oportuna. Desde o começo, os arquitetos dessa moralidade
identificaram a propriedade privada com a individualidade, e
consequentemente conectaram sua abolição com a condição da
circunstância
humana apropriada ao ‘homem
massa’.
Mais adiante, chegou-se à
conclusão
de que seria adequado que a moralidade do ‘anti-indivíduo’
fosse
radicalmente igualitária:
como deveria o ‘homem
massa’,
cuja única
marca era sua semelhança com seus companheiros e cuja salvação
residia no reconhecimento de outros como meras réplicas
deles mesmos,”
“Mas
uma mudança no momentum se deu quando o ‘anti-indivíduo’
se
reconheceu como o ‘homem
massa’
e
percebeu o poder que sua superioridade numérica
lhe conferia. O reconhecimento de que a moralidade do
‘anti-indivíduo’
era,
em primeiro lugar, a moralidade não de um setor de aspirantes, mas
de uma classe bem definida e majoritária
na sociedade (a classe não era necessariamente dos pobres, era de
qualquer um que por algum motiva se via privado do direito de exercer
a individualidade), e que em vista disso o interesse dessa classe
deveria se impor sobre o resto da humanidade, surge primeiramente de
forma inquestionável
nas obras de Marx e Engels.”
“direito
que ele reclamava, o direito compatível
com seu caráter,
era o direito de viver em um protetorado social que o libertava do
fardo da autodeterminação.”
“Ele
reclamava essa condição como um direito, e consequentemente
perseguia um governo que estava disposto a provê-lo,
imbuído
de um poder necessário
para instaurar o padrão
de política
com vistas ao chamado ‘bem
público’.
‘Governo
popular’
nada
mais é
que
uma modificação
de ‘governo
parlamentar’
designado
para cumprir esse objetivo. E, se essa teoria for correta, ‘governo
popular’
está tão
insinuado em ‘governo
parlamentar’
quanto
os direitos apropriados ao ‘anti-indivíduo’
estão
insinuados nos direitos apropriados à
individualidade:
eles não
são
complementares, mas diretamente opostos. Entretanto, o que venho
chamando de ‘governo
popular’
não
é
uma
forma concreta de governo estabelecida e praticada: é
uma
tendência
a impor certas modificações no ‘governo
parlamentarista’
no
intuito de convertê-lo
em uma forma de governo apropriada às
aspirações do ‘homem
massa’.”
“O
‘homem
massa’,
da forma como entendo, se distingue por seu caráter,
não
por sua quantidade. Ele possui uma individualidade tão parca que,
quando depara com uma experiência
poderosa de individualidade, esta se insurge em
‘anti-individualidade’.
Ele confeccionou para si uma nova moralidade, uma compreensão
oportuna do ofício
de governo e modificações adequadas do ‘governo
parlamentarista’.
Ele não
é
necessariamente
‘pobre’,
tampouco sente inveja só
dos
‘ricos’;
ele não
é
forçosamente
ignorante, sendo mesmo muitas vezes membro da chamada intelligentsia;
ele pertence a uma classe que não corresponde a nenhuma outra. Ele é
reconhecido
primeiramente por uma inadequação
moral, não
intelectual. Ele quer a ‘salvação’;
e no fim será
agraciado
somente com o livramento de não ter que fazer escolhas por si
próprio.
Ele é
perigoso,
não
devido a suas opiniões ou desejos, mesmo porque não possui nenhum
dos dois; mas sim por sua submissão.
Sua predisposição
é
outorgar
ao governo poder e autoridade jamais vistos na história;
ele é
totalmente
incapaz de diferenciar um ‘governante’
de
um ‘líder’.
Resumindo, a predisposição
em ser um ‘anti-indivíduo’
é algo a que todo o europeu tem uma propensão; o ‘homem
massa’ é somente
alguém
em que essa propensão
é
dominante.”
“considerado
nossa mais forte predisposição
política
moral e a sobrevivência
do mais fraco. Um mundo onde o ‘homem
massa’
exercesse
‘um
poder social completo’
seria
um mundo em que a atividade de governar fosse entendida unicamente
como a imposição de uma condição essencial da circunstância
humana, um mundo onde o ‘governo
popular’
tivesse
tomado o lugar do ‘governo
parlamentarista’,
um mundo onde os direitos ‘civis’
da
individualidade tivessem sido revogados pelos direitos ‘sociais’
dos
‘anti-indivíduos”
“O
desejo das ‘massas’
em
gozar dos produtos da individualidade alterou seu ímpeto
de destruição. E a antipatia do ‘homem
massa’
pela
‘felicidade’
da ‘autodeterminação’
facilmente
se dissolve em autocomiseração. Considerando todos os pontos
principais, o indivíduo
ainda aparece como a substância
e o ‘anti-indivíduo’
como
sua sombra.”
“Ser
conservador é,
pois, preferir o familiar ao estranho, preferir o que já
foi
tentado a experimentar, o fato ao mistério,
o concreto ao possível,
o limitado ao infinito, o que está
perto
ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, a
risada momentânea
à
felicidade
eterna. Relações familiares e lealdades têm
preferência
sobre o fascínio
pelas alianças de momento; comprar e aumentar é
menos
importante do que manter, cultivar e aproveitar; a tristeza da perda
é
mais
aguda do que a empolgação pela novidade e pela promessa. Significa
viver dentro dos limites do patrimônio,
usufruir dos meios possíveis
à
riqueza,
contentar-se com a necessidade de maior perfeição
que é
exigida
a cada um em dada circunstância.
Para algumas pessoas essa postura seria fruto de uma escolha; para
outras seria uma predisposição que surge naturalmente, com maior ou
menor frequência,
em suas preferências
e aversões, sem que tenham sido escolhidas ou especificamente
cultivadas.”
“Sempre
que a estabilidade for mais proveitosa que a melhora, sempre que a
certeza for mais valiosa que a especulação, sempre que a
familiaridade for mais desejável
que a perfeição, sempre que um erro acordado for superior a uma
verdade controversa, sempre que uma doença for mais aceitável
que sua cura, sempre que uma satisfação pelas expetativas for mais
importante que a justiça delas, sempre que uma regra de qualquer
natureza for preferível
a não
haver regra alguma, a predisposição a ser conservador será
mais
apropriada que qualquer outra”
“o
ofício
de governar é
simplesmente
garantir que a lei seja cumprida. Essa é
uma
atividade específica
e limitada, facilmente degenerada quando combinada com outra
qualquer”
“de
que não
somos crianças statu pupillari, mas sim adultos que não se
consideram na obrigação de justificar suas preferências
na hora de tomar suas próprias
decisões; e de que vai além
da experiência
humana supor que os governantes foram dotados de uma sabedoria
superior que os leva a possuir um repertório
de crenças mais avançadas que lhes dê
o
direito de impô-lo
sobre seus súditos.
Em suma, se a um homem de tal temperamento for perguntado: por que
devem os governos aceitar as diversas opiniões que existem hoje em
prol de impor seus sonhos sobre a população?, seria suficiente
responder: por que? Seus sonhos não
são
diferentes dos de ninguém,
e, se é
chato
ter de ouvir os sonhos dos outros, é
terrível
ter de ser forçado a vivê-los
também.
Toleramos os maníacos,
mas por que aceitaríamos
ser governados por eles? Não seria (pergunta-se o conservador)
possível
para um governo proteger seus cidadãos contra o incômodo
daqueles que gastam suas energias e suas riquezas a serviço de uma
indignação menor, lutando para impô-la
sobre todo o resto, não suprimindo suas atividades, mas
estabelecendo um limite para a quantidade de barulho que possa ser
emitido?”
“sempre
preferirá
reforçar
uma lei que já
possui
antes de inventar uma nova; ele julgará
apropriado
atrasar uma modificação da lei até
ficar
claro que a mudança
da circunstância
que ela fora designada a refletir veio para ficar por um bom tempo;
sempre terá
suspeitas
de propostas que excedam ao que a situação exige, ou governantes
que demandem superpoderes para realizar grandes mudanças e cujas
verbalizações
estão
sempre atreladas a generalidades do tipo ‘o
bem comum’
ou ‘justiça
social’,
e de ‘saviours
of society’
que
se armam de lanças
e espadas e saem caçando dragões;
considerará
mais
prudente examinar a ocasião de inovação com cuidado”
“No
entanto, há
algo
mais a ser observado nesse estilo de governança(;conservador),
além
das restrições impostas pelas regras familiares e convenientes.
Lógico
que um governo não
se curvará
a
mimos ou qualquer outra coisa além
da lei;”
“Um
árbitro
que também
é
jogador
numa partida não
é
um
árbitro;
regras nas quais não estamos dispostos a ser conservadores não
são
ordens, são
um convite para a desordem; a conjunção de sonho com governo se
degenera em tirania.”
“Para
muitos, vale o que Conrad denominou ‘linha
de sombra’,
que, quando a atravessamos, todo um mundo sólido
de coisas se abre, cada uma com sua forma fixa, cada uma com seu
ponto de equilíbrio,
cada uma com seu preço; um mundo de fatos, não de imagens poéticas,
em que o que gastamos em uma coisa não podemos mais gastar em outra;
um mundo habitado por outras pessoas que não podem ser reduzidas a
reflexos de nossas emoções. Quando chegarmos a esse mundo (nenhuma
política
social vai nos garantir essa entrada), quando apresentarmos a
predisposição para tal e não tivermos mais nada de bom para
pensar, aí
sim
estaremos qualificados a exercer a atividade política.”
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