“Na perspectiva desses princípios, o perigo comunista se apresenta para Plinio Corrêa de Oliveira como de natureza principalmente ideológica e moral. Sem negar a importância da agressão termonuclear, do terrorismo ou da guerrilha como meio de implantar o marxismo, Plinio Corrêa de Oliveira afirma entretanto que a ação ideológica sobre a opinião pública do Ocidente – enfraquecida pela corrupção e pela confusão – pode alcançar para a seita vermelha sucessos mais fáceis e menos arriscados.”
“Outra manobra é a apontada no presente ensaio de Plinio Corrêa de Oliveira: a da bolchevização inadvertida de incontáveis anticomunistas, por meio das palavras-talismã. A Editora Vera Cruz dá a lume a 5ª edição deste trabalho, que é um estudo do atualíssimo processo de persuasão ideológica subconsciente adotado pela propaganda comunista. O Autor analiza detidamente, a título de exemplo, a palavra-talismã “diálogo”.
Trata-se de uma exposição feita com precisão de método, clareza de linguagem e rigor de observação, que descreve uma nova tática comunista que, colhendo de improviso a opinião ocidental, a pode arrastar para inesperadas negações e infortúnios insondáveis.
Estamos certos de que este estudo interessa a um largo público, ávido de objetividade, de coerência e de coragem, e saciado do relativismo fácil, vazio e demolidor de nossos dias.”
“Torreão de vocábulos a serviço da propaganda comunista
De há muito soavam falso a nossos ouvidos os múltiplos empregos que em certos meios vêm sendo dados à palavra “diálogo”. Em torno do eixo fixo de um significado residual legítimo, notávamos ser ela manipulada no linguajar quotidiano desses meios, e em certos comentários de imprensa, de modo tão forçado e artificial, com ousadias tão desconcertantes, e sentidos subjacentes tão vários, que sentíamos a necessidade, veemente como se fora um imperativo de consciência, de protestar contra essa transgressão das regras da boa linguagem.
“Aos poucos, impressões, observações, notas colhidas aqui e acolá, iam criando em nossa mente a sensação de que essa multiforme torção da palavra “diálogo” tinha uma lógica interna que deixava ver algo de intencional, de planejado e de metódico. E que esse algo abrangia não só essa, mas outras palavras usuais nas elucubrações dos progressistas, socialistas e comunistas, como sejam “pacifismo”, “coexistência”, “ecumenismo”, “democracia-cristã”, “terceira-força”, etc. Tais vocábulos, uma vez submetidos a análoga torção, passavam a constituir como que uma constelação, em que uns apoiavam e completavam os outros. Cada palavra constituía um como que talismã a exercer sobre as pessoas um efeito psicológico próprio. E o conjunto dos efeitos dessa constelação de talismãs nos parecia de molde a operar nas almas uma transformação paulatina mas profunda.”
“Essa torção, segundo se nos tornava claro pela observação, se fazia sempre num mesmo sentido: o de debilitar nos não comunistas a resistência ao comunismo, inspirando-lhes um ânimo propenso à condescendência, à simpatia, à não-resistência e até ao entreguismo. Em casos extremos, a torção chegava até o ponto de transformar não comunistas em comunistas.
E à medida que a observação nos ia fazendo vislumbrar uma linha de coerência nítida e uma lógica interna invariável no emprego variado e até desconcertante daquelas palavras eficazes e subtis como um talismã, ia-se-nos firmando no espírito a suspeita de que, se alguém chegasse a descobrir e a explicitar em que consiste essa linha de coerência ou essa lógica, teria desvendado um artifício novo e de grande envergadura, empregado pelo comunismo em sua incessante guerra psicológica contra os povos não comunistas.”
“É nota essencial e característica desse processo que, ao longo de toda ou quase toda sua extensão, os pacientes não percebem que estão sofrendo uma ação psicológica por parte de quem quer que seja, e nem que o rumo para o qual caminham suas impressões e suas simpatias é o comunismo. Eles têm consciência, com clareza maior ou menor conforme cada indivíduo, de que estão “evoluindo” ideologicamente”
“Em via de regra nem sequer passa pela mente desses pacientes, ao longo de quase todo o processo, que aos poucos se vão tornando comunistas. Se em determinado momento o risco disto se lhes tornasse notório, dar-se-iam conta, ipso facto, do abismo em que iam caindo, e retrocederiam.
É só na etapa final da “evolução” que a evidência de sua transformação interior lhes faz ver que é para o comunismo que tendem. Entretanto, a essa altura sua mentalidade de tal maneira está “evoluída”, que a hipótese de se tornarem adeptos do comunismo já não lhes causa horror, mas antes simpatia.”
“Esse fenômeno – ou melhor, esse subtil processo da propaganda comunista – nós o denominamos aqui baldeação ideológica inadvertida. Propomo-nos a descrevê-lo sucintamente no que tem de essencial, e, como ele comporta diferentes modos de realização, estudá-lo-emos especialmente enquanto desenrolado através do que chamamos o estratagema da palavra-talismã. Em seguida, ilustraremos o estudo desse estratagema com um exemplo concreto, ou seja, com o emprego do termo “diálogo” para fazer evoluir inadvertidamente para o comunismo um número incontável de pessoas não comunistas”
“O fenômeno da baldeação ideológica inadvertida – bom é dizê-lo desde logo – comporta modalidades várias. Ele pode desenvolver-se em toda a sua amplitude e em seu sentido mais radical, isto é, pode levar o paciente até o fim do novo caminho, que é a aceitação do comunismo. O mesmo processo ocorrerá de modo menos amplo e radical, quando sua vítima, em lugar de se tornar comunista, ficar simplesmente socialista, por exemplo. Em um e outro caso, a baldeação é ideológica na força do termo. Pode ainda o fenômeno não dizer respeito propriamente a uma concepção filosófica do universo, da vida, do homem, da cultura, da economia, da sociologia e da política, como é o marxismo, mas somente a teorias e métodos de ação. Assim, um anticomunista fogoso pode ser “baldeado” para anticomunista adepto exclusivo das contemporizações, das concessões e dos recuos. É uma baldeação ideológica em um sentido diminutae rationis da palavra “ideológico”.”
“As técnicas de persuasão, mais importantes que a força
A nosso ver, nas atuais condições, a persuasão ideológica não é considerada pelos comunistas como coisa colateral ou subsidiária em relação à investida violenta. Pelo contrário, esperam eles hoje em dia maiores resultados da propaganda do que da força.”
“Estas duas afirmações são indispensáveis para que muitos militantes do anticomunismo, que com zelo e com mérito se dedicam à tarefa indispensável de alertar o mundo para o perigo da guerra de conquista do comunismo, e da revolução social violenta, alarguem seus horizontes, e neles introduzam também a solicitude em denunciar, em prevenir e em sustar o processo de baldeação ideológica inadvertida, em suas várias formas, inclusive a da palavra-talismã.”
“ecumenismo, seita imperialista
Para demonstrar as asserções que acabamos de fazer, é preciso ter em vista, antes de tudo, que o movimento comunista constitui fundamentalmente:
– uma seita filosofica atéia, materialista e hegeliana, a qual deduz dos seus errôneos princípios toda uma concepção peculiar do homem, da economia, da sociedade, da política, da cultura e da civilização;
– uma organização subversiva mundial: o comunismo não é apenas um movimento de caráter especulativo. Pelos imperativos de sua própria doutrina quer ele tornar comunistas todos os homens, e amoldar inteiramente segundo os seus princípios a vida de todos os povos. Considerada neste aspecto, a seita marxista professa o imperialismo integral, não só porque visa a imposição do pensamento e da vontade de uma minoria a todos os homens, mas ainda porque essa imposição atinge o homem todo, em todas as manifestações de sua atividade.”
“A saída do impasse não podendo estar para o comunismo nem na violência nem na persuasão explícita só pode estar numa nova via: a da persuasão implícita. Este é o ponto central para onde é preciso chamar insistentemente a atenção da opinião pública.”
“binômio medo-simpatia
Como vemos, há na própria psicologia de incontáveis pessoas no Ocidente um binômio de forças, que chamaremos de medo-simpatia, o qual inspira em influentes setores econômicos, políticos, intelectuais e até religiosos a propensão para entrar em composição com o comunismo”
“Simplesmente, não é mais dos partidos comunistas existentes nos países livres, mas sim da técnica de persuasão implícita, que o comunismo espera a conquista da opinião pública mundial.”
“Os matizes da opinião pública e a baldeação ideológica inadvertida”
“Quanto aos elementos categoricamente hostis ao comunismo e não raro até militantes contra ele, cumpre alvejá-los com uma ofensiva psicológica total que vise desorganizá-los, desanimá-los e reduzi-los à inação. Para isto, é especialmente útil agir contra os líderes anticomunistas. É preciso que se sintam espionados fora e até dentro de suas organizações, rodeados de traidores, divididos entre si, incompreendidos, difamados e isolados dos outros setores da opinião, afastados das posições-chave do país, e dos meios de publicidade, e de tal maneira perseguidos em suas atividades profissionais, que, bastando-lhes apenas o tempo para prover à própria subsistência, se vejam o quanto possível impedidos de atuar seriamente contra o marxismo.”
“As ameaças de vingança pessoal contra eles e suas famílias também são utilizadas não raras vezes, pelo comunismo, para impedir a ação desses bravos.”
“Quanto aos elementos indiferentes ao problema comunista, antipáticos ao comunismo em graus diversos, mas que não chegam à hostilidade militante, são eles, por assim dizer, a maioria dentro da maioria. A esses, já que se mostram refratários a toda técnica de persuasão explícita, só existe para o comunismo um meio de atrair. É a técnica de persuasão implícita. Como é natural, para operar esta última, o partido comunista não pode mostrar-se. Ele deve escolher agentes de aparência não comunista, ou até anticomunista, que atuem nos mais diversos setores do corpo social. Quanto mais insuspeitos de comunismo parecerem, tanto mais eficazes serão. No plano da ação individual, por exemplo, um grande capitalista, um político burguês proeminente, um aristocrata ou um clérigo serão para isto de muito maior eficiência do que um pequeno burguês ou um operário.”
“Sobre este setor da opinião pública, muito podem em favor do comunismo os partidos políticos, os jornais e os outros meios de publicidade que, aparentando todas as garantias de não serem comunistas, entretanto não vêem na luta contra a seita vermelha uma necessidade contínua e de capital importância nos dias que correm.
Uns e outros – isto é, pessoas, partidos políticos, órgãos de publicidade –prestam ao comunismo um primeiro e precioso concurso, pelo simples fato de entreterem no setor em questão um clima de superficialidade de espírito, bem como de otimismo fácil e despreocupado no que diz respeito à ameaça comunista. Pois assim as organizações anticomunistas ficam implicitamente vistas como apaixonadas e exageradas pela maior parte da opinião pública, que normalmente poderia e deveria dar-lhes apoio. E de outro lado se impede que nessa maioria, advertida da gravidade hodierna do perigo, os indiferentes passem à antipatia contra o comunismo, e os anticomunistas não militantes entrem na luta.
Ambos estes frutos são preciosos para o marxismo, pois lhe evitam um grande mal. Enquanto ele recruta à vontade seus quadros de militantes, penetra e articula as organizações de inocentes-úteis, e executa contra a sociedade, auxiliado por estes elementos, sua faina destruidora contínua e inexorável, a maior parte da opinião pública, que reagiria se tivesse consciência da real gravidade do perigo, fecha os olhos para ele, cruza os braços, e deixa livre curso ao adversário.”
“A técnica de persuasão implícita mais apropriada para o estado de espírito em que se encontra a maioria é a baldeação ideológica inadvertida."
“O método da baldeação ideológica inadvertida: suas três intensidades e suas três fases”
“Comporta esse método uma primeira fase, de caráter todo preparatório, consistente em atuar por meio do binômio medo-simpatia no sentido de dispor a uma atitude inerte e até resignada ante os progressos do comunismo setores de opinião que à vista desses progressos seriam propensos a se alarmar e a reagir. Dessa fase tratamos no capítulo anterior (item 9). Nela a baldeação ideológica inadvertida alcança o mínimo de sua intensidade.
Esta atinge um grau a mais na fase seguinte. Sem o perceber, o paciente da baldeação, seja ele um indivíduo, um grupo restrito, ou uma grande corrente de opinião, passa da resignação para uma atitude de expectativa já algum tanto favorável. O fruto do processo já não é negativo e preparatório, mas tem algo de positivo.
Por fim, quando logra transformar o simpatizante em adepto convicto, a baldeação chega à sua plena intensidade e produz seu fruto característico.”
“Na sua essência, o processo da baldeação ideológica inadvertida consiste em atuar sobre o espírito de outrem, levando-o a mudar de ideologia sem que o perceba”
“Para chegar a esse resultado, é possível lançar mão de artifícios diversos.
"O mais das vezes, esses artifícios se reduzem ao seguinte”
“a – encontrar no sistema ideológico atualmente aceito pelo paciente pontos de afinidade com o sistema ideológico para o qual se deseja baldeá-lo;
* b – supervalorizar doutrinária e sobretudo passionalmente esses pontos de afinidade, de tal maneira que o paciente acabe por colocá-los acima de todos os outros valores ideológicos que admite;
* c – atenuar tanto quanto possível, na mentalidade do paciente, a adesão aos princípios doutrinários que atualmente aceita e que sejam inconciliáveis com a ideologia para a qual se quer baldeá-lo;
* d – despertar nele a simpatia pelos militantes e líderes da corrente ideológica para a qual será baldeado, fazendo-o ver neles soldados dos princípios supervalorizados conforme o exposto no item “b”;
* e – dessa simpatia passar à cooperação para fins comuns ao paciente e seus adversários doutrinários de ontem, ou quiçá para o combate a uma ideologia ou uma corrente, inimiga tanto daquele quanto destes;
* f – daí conduzir o paciente à convicção de que os princípios supervalorizados são mais consentâneos com a ideologia de seus novos cooperadores e irmãos de luta do que com a sua ideologia de ontem;
“g – a esta altura, a mentalidade do paciente estará mudada, e sua assimilação à nova ideologia não encontrará senão obstáculos secundários.”
“Ao longo de quase toda essa trajetória, ele não se dará conta de que está mudando de idéias. E, quando disto se der conta, já não se assustará com o fato. De princípio a fim, imaginará estar agindo por movimento próprio, e não advertirá que está sendo manobrado. O processo é, pois, inadvertido de dois pontos de vista:
– porque o paciente durante quase toda a baldeação não a percebe;
– porque ele não nota que essa baldeação é um fenômeno produzido nele por terceiro.
Por esta forma, o adversário se transforma gradualmente em simpatizante e por fim em adepto.”
“Da exacerbação do apetite de igualdade – tão fácil dada a tendência do homem para a inveja e a revolta – resultam logicamente o ódio de toda hierarquia social e econômica, e o igualitarismo total, inerente ao regime comunista já desde a fase do capitalismo de Estado e da ditadura do proletariado.
Uma vez exacerbada a idéia de fraternidade, se chega ao ódio de tudo quanto separa e diferencia proporcionada e legitimamente os homens, e, pois, ao anseio da abolição de todas as pátrias, para a instauração de uma república universal: outro objetivo do comunismo.”
“Sob a louvável alegação de destruir privilégios e desigualdades excessivas, pode-se ir além, e abolir, gradualmente, também privilégios legítimos e desigualdades indispensáveis à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. À medida que o rolo compressor do igualitarismo se for tornando assim mais pesado e mais destrutivo, através das reformas socialistas e igualitárias – a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma da empresa comercial e industrial (5) – toda a sociedade se irá avizinhando do ideal comunista. E na proporção em que com isto se habituar a opinião pública, também ela se irá tornando comunista”
“Nova, sobretudo, é a baldeação ideológica inadvertida enquanto, de colateral que era, se tornou preponderante na tática usada pelo comunismo com vistas à conquista ideológica do mundo (7).”
“As declarações anticomunistas de alguns de seus líderes não provam que as transformações por eles impostas não são comunistas nem tendem para o comunismo. Pois o caráter comunista de uma transformação decorre da natureza desta, e não do rótulo que lhe dão os políticos que a levam a cabo.
Do mesmo modo, as reformas de Nasser não deixaram de ser muito avançadamente socialistas pelo simples fato de que no Egito está proscrito o partido comunista. Seria muito infantil quem daí deduzisse que aquele país está caminhando para rumos opostos aos do comunismo.”
Palavra Talismã
“Consiste ele, essencialmente, em empregar com uma técnica muito ardilosa certos vocábulos mais ou menos elásticos, próprios para se atuar de modo muito sui generis sobre a mente de indivíduos, grupos ou grandes coletividades.”
“Nessa posição inicial, em que o paciente, mercê da unilateralidade de seu estado de espírito, já aparece preparado para a ação psicológica que vai sofrer, o emprego de uma palavra bem escolhida pode produzir efeitos surpreendentes. É a palavra-talismã.
Trata-se de uma palavra cujo sentido legítimo é simpático e por vezes até nobre; comporta ela, porém, certa elasticidade. Empregando-se tal palavra tendenciosamente, começa ela a refulgir para o paciente com brilho novo, que o fascina e o leva muito mais longe do que poderia pensar.
Citemos alguns desses sadios e até nobres vocábulos. Torcidos, atormentados, deturpados, violentados, de vários modos, a quanto equívoco, a quanto erro, a quanto desacerto têm eles servido de rótulo! Pode-se mesmo dizer que os efeitos dessa técnica são tanto mais nocivos quanto mais digno e elevado é o conteúdo da palavra de que assim se abusa: “corruptio optimi pessima”. Entre as palavras portadoras de um conteúdo digno, assim transformadas em enganosos talismãs a serviço do erro, podem ser citadas: justiça social, ecumenismo, diálogo, paz, irenismo, coexistência, etc.”
“Esse dom publicitário da palavra-talismã conduz o escritor, o orador, o conferencista à tentação de usá-la com crescente frequência, a todo propósito, e até fora de propósito. Pois assim lograrão mais facilmente fazer-se aplaudir. E, para multiplicar as oportunidades de empregar tal palavra, eles a vão utilizando em sentidos analógicos sucessivamente mais arrojados, aos quais a elasticidade natural dela se presta quase até o absurdo.”
“A radicalização da palavra-talismã vai de per si operando a baldeação ideológica inadvertida, nos que a empregam. Pois, presos ao fascínio do vocábulo, vão eles aceitando sem mais, como ideais supremos e ardentemente professados, os significados sucessivamente mais radicais que ele vai assumindo.
Pari passu, esses ideais, com a força dos valores aceitos como supremos, vão produzindo no paciente da baldeação todas as mudanças de atitude interior e exterior em relação ao adversário da véspera, que descrevemos no capítulo anterior (item 4).
É assim que a palavra-talismã serve para desencadear e conduzir a termo o processo da baldeação ideológica inadvertida.”
“A palavra-talismã radicalizada reluta em explicitar seu sentido. Com efeito, sua grande força está na emoção que provoca. A explicitação, atraindo para ela a atenção analítica de quem a usa ou de quem a ouve, perturbaria e impediria ipso facto a fruição sensível e imaginativa do vocábulo. A palavra-talismã, mantendo assim obstinadamente implícito seu significado, continua a ser veículo e esconderijo do seu crescente conteúdo emocional”
“A ação da palavra-talismã pode, pois, ser “exorcizada” mediante sua explicitacão. É a conseqüência do que acabamos de dizer. Compreende-se assim a utilidade do presente trabalho, que visa por à disposição dos interessados o meio de sustar, pela “exorcização” da palavra-talismã, o processo de baldeação ideológica inadvertida.”
“As indicações sumárias que acabamos de fazer parecerão talvez por demais abstratas. Por isto, no presente capítulo, exempleficaremos como se empregam as palavras-talismã, analisando como uma delas, a palavra “diálogo”, é utilizada para promover a baldeação ideológica inadvertida para o relativismo hegeliano e para o marxismo.”
“Analisando os significados correntes da palavra que ora nos ocupa, como aliás também de outras que com ela têm certa conexão, como “dialética”, “discussão”, “polêmica”, etc., podemos verificar que se lhes atribuem significações muito diversas e às vezes até, de certo ponto de vista, contraditórias. E isso se dá tanto nos meios cultos, quanto nos de instrução mediana ou baixa. Com o passar dos anos, a carga emocional que se anexou a algumas dessas palavras veio a lhes alterar o sentido, fazendo com que pessoas de gerações diferentes as entendam de modos também diferentes. De região para região do Brasil, e com mais razão de país para país, se manifestam por vezes variações sensíveis.”
“Todas estas considerações fazem ver que a discussão pura e simples corresponde a necessidades naturais e profundas do convívio humano. E que proscrevê-la para reduzir as formas deste convívio ao mero diálogo em sentido estrito (ou à discussão-diálogo) seria artificialidade grave e perigosa.”
“Como se sabe, nada prejudica mais a verdadeira paz, que é a tranqüilidade da ordem (cf. Santo Agostinho, De Civ. Dei, XIX, c. 13), do que o se apagarem entre os homens a verdade e o bem, fundamentos únicos dessa mesma ordem. Quem nega a liceidade da discussão pura e simples, imaginando talvez trabalhar para a concórdia, implanta de fato o reino da discórdia.”
“Apresentar a discussão pura e simples, por medida de prudência, como sempre ilícita, sempre perigosa, sempre nociva às almas, constitui verdadeira escamoteação doutrinária.”
“Por análogo motivo, também, a polêmica, quando boa, tem em grau excelso todas as qualidades inerentes à discussão pura e simples bem conduzida”
“Assim, as correntes de opinião se defrontam e se exprimem como que em diversas gamas, e, travadas pelos grandes, as discussões e as polêmicas por sua vez repercutem sobre os pequenos novamente, os inspiram e orientam.
Na sua forma mais ilustre, e historicamente mais importante, a discussão pura e simples e a polêmica se encetam, se desenvolvem e se desfecham aos olhos de multidões sobre as quais exercem uma ação rectrix do maior alcance. E em função dessas multidões alcançam sua plena dimensão.”
“Assim, as correntes de opinião se defrontam e se exprimem como que em diversas gamas, e, travadas pelos grandes, as discussões e as polêmicas por sua vez repercutem sobre os pequenos novamente, os inspiram e orientam.
“Esse relativismo total é mais negativo do que afirmativo. Ele nega todos os outros sistemas, porém ainda não oferece uma concepção positiva do homem, da vida e do universo. O impulso irenístico não se poderia contentar com isto. Tendendo a chegar, por seu natural dinamismo, ao extremo de si mesmo, ele toma o caráter hegeliano. Ou seja, concebe a marcha do pensamento, e aliás também a da História, como movida pela eterna fricção de doutrinas ou de forças ao mesmo tempo relativamente verdadeiras e relativamente falsas. Dessa fricção da tese com a antítese nasceria por via de superação uma nova “verdade” relativa, a qual por sua vez entraria em fricção com outra, dando origem a mais uma síntese, e assim por diante, indefinidamente. – Este o termo final do longo itinerário que, iniciado no simples irenismo, levando esse mesmo irenismo de requinte em requinte, chega ao relativismo e por fim ao hegelianismo.”
“para o utopista a vida não possa ter normalmente um sentido legítimo de luta, de prova e de expiação, mas só de paz macia e regalada. Ele é, assim, e por definição, pacifista “à outrance”, ultra-ecumênico, ultra-irênico. E nenhum de seus sonhos teria coerência interna, nenhum seria capaz de o satisfazer inteiramente, se não incluísse a supressão de todas as lutas e de todas as controvérsias.”
"Por seu lado, como vê o burguês mundano a perspectiva de um paraíso operário? Habituado a seus bens, deles não quer abrir mão. Entretanto, extenuado pela luta de classes, com medo das perspectivas de guerras, revoluções, saques e morticínios, horas há em que lhe sorri como mal menor a possibilidade de se integrar pacificamente, e salvando quiçá algumas pequenas vantagens, no paraíso proletário. E depois, pensa ele, quem sabe se esse paraíso consegue, ao contrário da sociedade burguesa, eliminar o erro, o mal e a dor? Compensaria talvez renunciar às vantagens de que ora desfruto, reflete ainda o burguês mundano, para entrar em um mundo onde ninguém estivesse sujeito a esse tríplice jugo. Ninguém... nem ele próprio que, nos intervalos entre seus negócios e seus prazeres, se sente tão vulnerável pela doença e pelos riscos de toda ordem.”
“E então, com todo o ímpeto de sua apetência de um paraíso na terra, o burguês mundano começa a descobrir em si uma fibra socialista e a entrever possibilidades de pacto com o comunismo. Surge nele um sentimento pacifista em relação a este terrível adversário. O diálogo irênico lhe sorri… A par do medo, começa a atuar nele a simpatia.”
“Mas os dirigentes comunistas mundiais estão longe de ignorar o estado emocional em que atualmente se encontram tantos e tantos burgueses mundanos.
Esse estado é eminentemente explorável em favor do comunismo pelo binomio medo-simpatia. Com isto fica o burguês mundano preparado para a baldeação ideológica, que o levará – como veremos – através da palavra “diálogo”, repetida sob mil e mil formas, a se tornar comunista sem o perceber, ou pelo menos a adotar em face do comunismo posições entreguistas que abrirão a este as portas da cidadela.”
“B. Multiplicidade de efeitos da palavra-talismã
A palavra-talismã “diálogo” é tão rica em efeitos, que, para os estudarmos adequadamente, devemos classificá-los em dois grupos:
– os efeitos diretos, por ela produzidos sobre a mentalidade das pessoas a quem fascina;
– um processo pelo qual a mentalidade assim transformada e a palavra-talismã “diálogo”, radicalizando-se mutuamente e servindo-se do diálogo como instrumento, conduzem os “dialogantes” ao relativismo hegeliano.”
“Primeiro efeito – O diálogo resolve tudo
Sobre o irenista preparado como mostramos acima (item A), começa a agir a palavra-talismã. Falaram-lhe de diálogo. Segundo observa, esse termo é empregado em um sentido novo e muito especial, só indiretamente relacionado com o significado corrente. A palavra “diálogo” reluz assim a seus olhos com um conteúdo que tem algo de moderno e elegante. As pessoas em evidência a utilizam como se fosse uma fórmula nova para mudar convicções, simples, irresistível. Não dialogar é proceder de maneira retrógrada no campo ideológico, em plena era atômica. Dialogar é estar em dia, é assinalar-se como eficiente e moderno. E o irenista se põe então a pensar: o diálogo resolve todos os problemas. Nada de discussões, nem de polêmicas; é preciso unicamente dialogar com os que pensam de outra maneira, sejam eles até comunistas. O diálogo, pela afabilidade que o caracteriza, tem o condão de desarmar todas as prevenções. Ele assegura a quem o usa a glória de persuadir todos os opositores.”
Primeiro efeito – O diálogo resolve tudo
“Segundo efeito – Uma constelação de impressões e emoções unilaterais”
“Terceiro efeito – Simpatia e notoriedade decorrentes da ressonância publicitária da palavra “diálogo”
“Quarto efeito – Desperta-se a miragem da era da boa vontade”
“Quinto efeito – A propensão a abusar da elasticidade da palavra “diálogo”
“Este fato, em via de regra, o explorador da palavra-talismã – como aliás também o público – o sentirá sem o poder explicitar. Em conseqüência, será levado a preferir umas aplicações dela a outras. E, se tiver algum talento, irá forçando a natural elasticidade do vocábulo, de maneira a multiplicar os empregos mais fascinantes e rendosos.”
“Em conseqüência dessas disposições emocionais, cada uma delas é conduzida a achar que a outra está sempre de boa fé. O êxito de seu esforço de persuasão lhe parece depender apenas da eliminação de ressentimentos da outra”
“Esta última deturpa, em conseqüência, o sentido da discussão-diálogo, sobrevalorizando a nota de cordialidade, e subestimando a de pugnacidade. Acentua-se então a deturpação inicial do estilo de relações entre as partes.
A discussão-diálogo já não visa principalmente obter a verdade, e só por meio dela a unidade. Mas visa sobretudo a unidade por meio da cordialidade de relações entre os interlocutores. E só secundariamente a conquista da verdade através da argumentação.”
“Nesta última, ele visará principalmente a unidade, e apenas secundariamente a verdade.
A esse tipo de discussão, ele chamará de diálogo, para insinuar que é tão despido de pugnacidade como o diálogo-investigação ou o diálogo-entretenimento.”
“A partir do relativismo, a verdadeira discussão é impossível; quando tratam da matéria até aqui controvertida, os interlocutores, pelo próprio fato de o fazerem sob o signo do relativismo, já não estão procedendo a uma autêntica discussão”
“Cada vez mais próxima do mito da era da boa vontade, ela se torna sempre mais aliciante e refulgente para os irenistas relativistas. Ela comunica ardências sempre maiores à apetência de unidade, e prepara assim a fase seguinte.”
“Começa a lhe parecer agora que são inconsistentes as divergências doutrinárias, que na fase anterior já ele tanto subestimara em benefício dos pontos de convergência. Em todas elas, põe-se a ver vislumbres de verdade e de erro de parte a parte. As diferenças estariam mais nas fórmulas do que no conteúdo. Em última análise, uma mesma “verdade” global, toda ela relativa, e presente residualmente nas mais opostas formulações, seria o substrato de uma realidade vária, e indefinidamente mutável.”
“A verdade, já anteriormente aceita como algo de relativo, passa a ser vista nesta fase como o produto de uma eterna dialética.”
“Depois de ter assumido o caráter de mero entretenimento e investigação, o diálogo começa a ser praticado como um “ludus” no qual ambas as partes admitem que, à força de dialogar, se operará entre elas uma decantação da verdade, como pela fricção da tese e da antítese se chega à síntese. Nasce assim o último estágio da deturpação talismânica da palavra “diálogo”. É o estágio hegeliano. É bem de se ver que, atuada assim por homens de boa vontade, impregnada do mito irenístico, a fricção da tese com a antítese será fundamentalmente um “ludus” cordial. E tanto mais cordial quanto mais se vá desenrolando em lances sucessivos.
A fricção entre a tese e a antítese poderá assumir por vezes a forma da discussão pura e simples ou até da polêmica. Não lhes terá a substância, pois não pressupõe um antagonismo absoluto entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal”
“Da fricção das “verdades” relativas opostas, nasceria por via de superação uma síntese, e da universal fricção das teses e das antíteses, gerando sempre sínteses que por novas fricções com formulações antitéticas dariam em novas sínteses, se originaria um grandioso processo de universal destilação das “verdades”, e da “verdade”.”
“Se considerarmos sumariamente os elementos principais do que ficou exposto neste trabalho, a conclusão emergirá com clareza e facilidade: o comunismo é o grande beneficiário da baldeação ideológica inadvertida e do emprego das palavras-talismã, especialmente da palavra-talismã “diálogo”.
Igualmente se patenteará que essa imensa manobra comunista é susceptível de ser inutilizada pelo simples fato de que alguém a desvende aos olhos da opinião pública.”
“Como se sabe, o marxismo, abandonando embora o caráter idealista do hegelianismo, conservou-lhe a essência dialética. A marcha ascensional da evolução da matéria se opera, segundo Marx, através da tese, da antítese e da síntese, tal como para Hegel se dava a evolução do espírito”
“Essa preparação para o comunismo, operada pela palavra-talismã “diálogo”, na realidade concreta só excepcionalmente redundará em mera preparação. A afinidade produz a simpatia, e a simpatia inclina à adesão. Esta adesão é tanto mais fácil, quanto a opinião pública contemporânea está saturada por um onímodo e inteligente sistema de incitamentos e atrações a favor do comunismo.”
“Visto assim, o ecumenismo é uma imensa preparação de todas as religiões, feita através do diálogo hegeliano, para, uma vez unificadas, entrarem em ulterior diálogo com a antítese comunista.”
“O fato de o comunismo aceitar a coexistência pacífica com as várias religiões que se lhe opõem, indica porventura estar encerrado o período das perseguições religiosas?
Em rigor de lógica, não. O comunismo admitirá tal coexistência com as religiões ou os grupos religiosos que, colocando-se em posição hegeliana, aquiesçam em com ele dialogar numa base relativista. Nisto sua atitude parece nova, porém a novidade se nos afigura não estar nele, senão em certas correntes religiosas cuja posição em face do relativismo se vai tornando cada vez mais débil e conivente. O comunismo perseguia as religiões quando elas o combatiam. É coerente, de sua parte, deixar de combater aquelas que se mostram dispostas a entabular com ele o diálogo relativista em um clima de coexistência pacífica.”
“os vocábulos “diálogo” e “coexistência” formam com a palavra “paz” um só anel. A paz irênica não se reduz à mera inexistência de guerras termonucleares ou convencionais, de revoluções ou guerrilhas. Ela contém uma doutrina, ela é um estilo de vida não só pública como privada, em que todos os elementos de atrito foram substituídos por uma coexistência cordial e dialética da tese com a antítese, numa contínua colaboração para preparar a síntese.”
“Diálogo”, “coexistência”, “paz”, enquanto vocábulos-talismã, são usados aqui e acolá em acepções por vezes enigmáticas. Mas, se interpretados em um sentido evolucionista e hegeliano, o cunho enigmático se dissipa, e esses termos talismânicos passam a ser claros, de contornos precisos, e perfeitamente congruentes entre si.
Isto nos põe em presença, já agora, da ação baldeadora não de uma só palavra, “diálogo”, mas de toda uma constelação de palavras-talismã afins.”
“Por oposição à chamada via russa (isto é, a via de luta ideológica e perseguição policial, seguida de modo quase contínuo na Rússia), se delineia assim uma via italiana, inspirada pelo senso oportunista do comunismo, e formulada em termos de irenismo, diálogo relativista e coexistência.”
“Para a maior parte das pessoas, o mito, lembrado e insinuado na palavra “diálogo”, e cuja sedução é a como que eletricidade de que esta se acha carregada, só é atraente quando se mantém impreciso, difuso, envolto nas névoas da poesia. Como é belo sonhar vagamente com uma concórdia definitiva e completa em todos os campos em que os homens tenham relações entre si! Explicitar esse sonho, procurar estudá-lo, seria matá-lo (cf. cap. III, 3). E ademais, para que explicitar? Para que entender? Mitos assim são muito menos feitos para serem compreendidos do que degustados. O fumante de ópio em geral não se interessa pela composição química deste. Ele não quer entender mas sentir o ópio.”
“E assim, mesmo quando se obstina em permanecer implícito, o mito pode ser detectado, caracterizado e por fim posto a nu por um observador ciente das regras próprias a esse labor.”
“Uma vez posto a nu o mito pelo observador, pode este, divulgando seu achado, “exorcizar” a palavra-talismã. Pois, explicitando o mito, proporcionará ele aos pacientes da baldeação ideológica inadvertida os meios para abrirem os olhos à ação que sobre eles se exerce, para se darem conta dos rumos aos quais ela conduz, e para se defenderem contra ela.”
“Explicitado o mito, estará anulado o quebranto. A natural repulsa ao comunismo, das pessoas assim alertadas, agirá então, e a manobra comunista ficará frustrada.
Contribuir para dar às vítimas desse processo o meio de defesa eficaz, é o objetivo com que este trabalho foi escrito.”
Trecho de: Unknown. “Dialogo.” iBooks.
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